FAUSTO CARDOSO E LIBERDADE
Figura 27 – QR CODE vinculado a Fausto Cardoso
No dia 22 de dezembro de 1864, nasceu Fausto de Aguiar Cardoso no Engenho São Félix, Divina Pastora, Sergipe. Seus pais o tenente-Coronel Felix Zeferino Cardoso e sua mãe D. Maria do Patrocínio Aguiar Cardoso, eram[1] figuras importantes na região, senhores de engenho e afortunados. Tal condição permitiu a Fausto Cardoso ter uma formação educacional privilegiada. Depois de fazer suas séries iniciais em Sergipe, partiria para Pernambuco a fim de preparar-se para o ingresso na faculdade de Direito do Recife.
Na capital pernambucana não se destacara, não foi[2] um aluno aplicado, apesar disso era muito querido pelos seus mestres e tornara-se discípulo de Tobias Barreto, o fundador e chefe da Escola do recife, o qual muito o inspirou. Naquela cidade, como acadêmico de Direito, Fausto[3] se distinguiu mais pelos arroubos de temperamento, pela participação nos movimentos estudantis, pela presença espirituosa e irreverente do que pelo brilho nos estudos.
Figura 28 – Fausto Cardoso
Fonte: Acervo particular do autor, Janeiro/2022.
Fausto Cardoso ainda acadêmico atacaria[4] a política imperial e faria defesa da República. Formou-se em Direito, voltou a Sergipe e foi nomeado promotor, trabalhou em Capela, Gararu, Riachuelo e por fim Laranjeiras. Nessa cidade se destacara como orador, a chama republicana reacende, no clube democrático de local[5] homenageava os republicanos históricos e discorria sobre as vantagens do novo governo que vira nascer. Nesse tempo, na efervescente Laranjeiras, nosso protagonista, publicou artigos, neles se revelou um pensador vigoroso e dotado de lógica, baseado na[6] convicção da existência de um paralelo entre o mundo físico e o mundo social, e na certeza de uma lei de evolução na História, a incompatibilidade do regime monárquico com a liberdade, o Direito e a História das nações da América. Fausto defendeu a abolição da escravidão e lutou por um republicanismo puro, entusiasta da causa podia ser encontrado à frente de passeatas, catequizando a população para que apoiassem o novo governo. Empreendeu assim um trabalho de renovação[7] intelectual e política na Província de Sergipe.
O tempo de Fausto Cardoso era de mudanças, mas também de muitas permanências. Mudança no sistema de governo, da Monarquia para a República, no entanto grupos políticos monárquicos sobreviveram a proclamação e garantiram suas permanências. Naquele tempo a política sergipana estava dividida entre dois grupos, eram os Pebas e os Cabaús. Apesar de tentativas de conciliação, estas duas agremiações eram inconciliáveis. De incomum, tínhamos suas práticas coronelistas, marcadas pela violência, intimidação, clientelismo, prisões, espancamentos e perseguições. Muitos monarquistas aderem à República, é o caso do Monsenhor Olímpio Campos, apesar das diferenças, acordos políticos, foram feitos. Pretendia-se[8] harmonizar os grupos políticos em nosso Estado, o conchavo de 1899 marcou a ascensão de Olímpio Campos e lançou na política o advogado Fausto Cardoso.
Naquela época não havia mocinhos ou bandidos, heróis ou vilões, tínhamos homens de seu tempo, separados apenas por ideias ou visões diferentes de mundo. A política sergipana era tão conturbada que Olímpio Campos foi o[9] primeiro presidente a concluir o mandato. O monsenhor, realizou um governo austero, fez Josino Menezes seu sucessor e posteriormente ainda elegeria seu irmão Guilherme Campos presidente da província de Sergipe.
Esta é a época áurea do Olimpismo e nela o[10] poeta, filósofo, jurista, jornalista e insigne orador, Fausto Cardoso desponta. Fora recomendado pelo presidente Prudente de Morais para a Câmara dos deputados, sendo eleito por Sergipe para o triênio de 1900 a 1903. Na câmara Fausto revelava-se um[11] defensor da justiça, orador empolgante, um homem firme, incisivo, desabusado, corajoso e combativo. Na casa do povo mostrou-se agressivo, principalmente em seu segundo mandato, 1903 a 1906[12], destinando críticas à política sergipana, tendo como principal alvo o Padre Olímpio Campos, como podemos ver abaixo
Mas esse padre é realmente um homem, ou é simplesmente um monstro, cuja alma, formada pelas anomalias das gerações que nos precederam, esflorou ali, para arrochar, vilipendiar e matar a terra de Tobias Barreto? Ou minha terra paga hoje àquele sapo de sotaina o crime de ter produzido e dado ao Brasil aquela estrela, cuja luz brilhará ainda depois que tiver desaparecido a sociedade a que iluminou? E ainda se crê que ele é honrado, porque, quando se assentou, era mudo ou modesto, humilde ou maneiroso? Mas não, aquele homem era uma cobra. (Rollemberg, 1988, p.35).
Quanto ódio e paixão o jogo político suscita não é verdade? A História dos dois, Olímpio Campos e Fausto Cardoso não terminaria nada bem, na verdade, o fim dessa História foi trágico, e quem perdeu? Todos os sergipanos.
No começo dos anos 1900, cunhou-se os termos faustistas e olimpistas[13] para designar os partidários dos dois políticos, assim como “olimpismo” designa o período de predomínio político do Monsenhor Olímpio Campos, o “faustismo” designa pensamentos e atitudes dos seguidores de Fausto Cardoso.
Mas quais eram as bases dos pensamentos faustistas? Era um grupo heterogêneo, formado por homens da velha política, que queriam[14] ação, projetos, nomes e divisão de cargos. Mas também, intelectuais imbuídos das ideias do evolucionismo aplicado à sociedade, viam a luta anti-oligárquica desenvolvendo-se no campo das ideias, associando a queda do olimpismo ao estabelecimento de um novo estágio da sociedade, onde frutificariam a liberdade e a justiça.
Depois de anos vivendo no Rio de Janeiro, o retorno de Fausto Cardoso à Sergipe parecia inevitável. Seu retorno aconteceu em 1906[15], afirmou que viria apenas resolver problemas particulares, mas havia quem dissesse que sua vinda tinha outras razões, agradecer o povo pela sua eleição, fundar um novo partido ou derrubar o governo de Guilherme Campos. Na verdade[16] a presença de Fausto Cardoso em Aracaju era fundamental para evitar o esfacelamento da oposição e para seu próprio futuro político.
O deputado Fausto Cardoso desembarcou em Aracaju, na Ponte do Imperador, no dia 1 de agosto de 1906. Havia um clima de euforia, ele fora recebido com vivas e urras de uma multidão que saudava seu herói. Para onde se dirigia, uma multidão o acompanhava, era o Cristo cívico sergipano. As visitas ocupavam-no todo o dia[17] chefes políticos confabulam planos para a política; necessitados pedem favor e esmola; simples curiosos, oportunistas e adesistas de última hora, todos compareciam ao chalé que se tornara o ponto central de Aracaju.
Fausto percebeu um choque de mentalidades no próprio partido, constatou que teria a frente uma luta muito maior[18] e não era apenas olímpio Campos. Sua luta era contra a própria estrutura política local, ele sonhava transformá-la. Muitos membros do seu partido só desejavam o poder, a troca de pessoas, sem programas, intenções ou práticas renovadoras.
Formado o Partido Progressista, seria de esperar que[19] exaurissem aí os motivos que haviam levado Fausto Cardoso a Sergipe. O artigo publicado por um jornal local, sob o título “Oposição Esfrangalhada”, no qual os componentes do diretório do partido recém-fundado foram expostos ao ridículo, foi o estopim. Nesse contexto desencadeou-se a revolta, não desejada por Fausto Cardoso, mas que levaria o seu nome, o porquê disso? Porque ele estava entre nós sergipanos. No dia 10 de agosto de 1906, convencida pelos faustistas, a força pública ou polícia se revoltou. Os militares atacaram o Palácio de Governo, levando Guilherme Campos a renunciar. Através de um golpe, “faustistas” tomam o poder e empossam o desembargador João Maria Loureiro Tavares como novo presidente. Fausto, ao tomar conhecimento da revolta, deixa Divina Pastora a cavalo e com trajes de viagem chega à Aracaju. Após conversar com o presidente Guilherme Campos e seu vice, Fausto tem um gesto que[20] dá medida de toda a sua grandeza moral.
Conclama os revoltosos, os quais fizeram sobre juramento, a garantir as vidas e a respeitar as propriedades dos vencidos.
Apesar dessa ação de Fausto Cardoso, o Monsenhor Olímpio Campos não se fez por satisfeito ou derrotado, ele e os seu telegrafaram para o presidente da república
Como preceitua o art. 6º da Constituição, requisito intervenção no Estado para manter a ordem e a autoridade desrespeitada pelo deputado Fausto Cardoso que revoltou a polícia. Guilherme Campos. Presidente do Estado. (Rollemberg, 1988, p.121.)
Sergipe foi o primeiro Estado da federação a sofrer intervenção federal na era republicana. O Presidente Rodrigues Alves acatou o pedido dos olimpistas, tropas federais foram enviadas, os revoltosos faustistas são contidos e Guilherme Campos reempossado. Fausto, tinha acreditado nas renúncias, porém em um gesto incontido[21] de arrebatamento, naquele dia 28 de agosto de 1906, diz “Ninguém é obrigado, mas quem quiser morrer, siga-me”. O interessante é que o homem que quis evitar a revolução, decidiu morrer por ela.
Chegando no palácio de governo Fausto ainda diria[22] “O palácio é dos sergipanos. Suba quem quiser morrer comigo! Sua vontade foi atendida, Fausto Cardoso morre em frente ao palácio, ou seja, na praça que hoje leva e tem um monumento de bronze em seu nome. A Praça do povo, da liberdade, a bela Praça Fausto Cardoso.
Você deve estar se perguntando o que aconteceu com Olímpio Campos, mas não compartilharemos contigo agora, são cenas dos nossos próximos capítulos, ou seria tópico? Sigamos!
Exercício de Aplicação
Não há consenso sobre a revolta de 1906, a de Fausto Cardoso. Alguns analistas entendem que ela foi uma simples luta pelo poder, marcado pelo revezamento de políticos e sem maiores mudanças. Há também quem compreenda o movimento como: uma luta pessoal; uma simples rusga de partidos; um choque de mentalidades; uma luta contra a oligarquização da política sergipana, a qual vinha sendo promovida pelo Monsenhor Olímpio Campos. E você, após a leitura do texto qual a sua opinião sobre a natureza da Revolta de Fausto Cardoso? Analise o processo de forma crítica.
1. Leia os cancioneiros populares abaixo
Cancioneiro 1
Vamos ao Aracaju
Ver a Revolução
Que mataram Fausto Cardoso
E mataram ele a traição.
(...)
O nono se ofereceu
Por ser o mais valentão,
Se ofereceu ao Padre Olímpio
Para vencer a questão.
Quando ele subiu o palácio
Subiu com boas maneira
Mas não pensava ele que
Era a sua derradeira.
(...)
A viúva de Fausto Cardoso
Nem o luto quer botar,
Quando lembra do marido
Só deseja se vingar.
Minha gente, venha ver
Um caso de admirar:
Um homem como Fausto Cardoso
Em Sergipe outro não há.
Minha gente, venha ver
Um caso que nunca se deu:
Um homem como Fausto Cardoso
Na praça pública morreu.
As moças do Aracaju
Não podem mais trabalhar,
Quando lembram de Fausto Cardoso
Começam logo a chorar.
As moças vão pra igreja
Com seu terço pra rezar,
Quando vê Padre Olímpio
Começam a se retirar.
Cancioneiro 2
A 28 de agosto
Do ano que já findou
O Padre Olímpio de Campos
Tirou a vida ao doutor.
(...)
Maldito seja este padre, S
em política e sem razão
Que a alma do nosso amigo
Lhe atrapai a sarvação.
Os dois cancioneiros populares apresentam o mesmo teor. As duas composições abordam personagens rivais e que estiveram envolvidos no mesmo fato histórico. Quais são esses personagens? O que as composições acima refletem? E quais são as ideias difundidas pelos seguidores do personagem central das canções?
Fonte:
[1] Rollemberg, Francisco Guimarães. Fausto Cardoso/ Francisco Guimarães Rollemberg. Brasília, Senado Federal, 1988, p.10.
[2] Ibid., p.11.
[3] OLIVA, T. A. Impasses do federalismo brasileiro: Sergipe e a revolta de Fausto Cardoso. 2. ed. São Cristóvão (SE): Editora UFS, 2014. p.131.
[4] Rollemberg, Francisco Guimarães. Fausto Cardoso/ Francisco Guimarães Rollemberg, op. cit., p.12.
[5] OLIVA, T. A. Impasses do federalismo brasileiro: Sergipe e a revolta de Fausto Cardoso, op. cit.,p. 62.
[6] Ibid., p. 65.
[7] Ibid., p. 131
[8] Ibid., p. 76.
[9] Ibid., p. 79.
[10] Rollemberg, Francisco Guimarães. Fausto Cardoso/ Francisco Guimarães Rollemberg, op. cit., p.24.
[11] Ibid., p.32.
[12] Ibid., p.35.
[13] OLIVA, T. A. Impasses do federalismo brasileiro: Sergipe e a revolta de Fausto Cardoso, op. cit., p.76.
[14] Ibid., p. 176.
[15] Ibid., p. 173.
[16] Ibid., p. 176.
[17] Ibid., p. 186.
[18] Ibid., p. 188.
[19] Rollemberg, Francisco Guimarães. Fausto Cardoso/ Francisco Guimarães Rollemberg, op. cit., p.117.
[20] Ibid., p.118.
[21] Ibid. p.132.
[22] Id.

