O TENENTISMO EM SERGIPE
Figura 13 – QR Code vinculado à Formosa Aracaju
O Bairro 13 de Julho possui esse nome em referência ao movimento Tenentista que ocorrera nessa mesma data, no ano de 1924. Hoje, área nobre da cidade, morada de pessoas de classe média alta, pode-se não acreditar, mas há 70 anos era uma região de gente simples, habitada principalmente por pescadores. Foi por muito tempo a praia mais frequentada pelos aracajuanos[1] para lá durante as férias escolares, após o Natal, muitas famílias de classe média se dirigiam para lá e ali veraneavam. Antes de ser tomada pelo esgoto, a Praia formosa era constituída de areias claras, as pessoas nelas se deitavam, bronzeavam-se e em suas límpidas águas se banhavam.
A mudança da região não se deu[2] pela transformação mediante à valorização do seu solo, mas através de uma releitura do seu passado e, principalmente, da construção do calçadão da 13 de julho no final dos anos 1980. Houve, a partir desse processo, uma forte especulação imobiliária alimentada pelas construtoras, pelas corretoras e pelo próprio governo. Outro símbolo da virada do Bairro citado foi a construção, em 1953 do Iate Clube[3]; este não foi construído para os moradores locais, mas sim para iniciar um processo de segregação residencial em Aracaju. Ou seja, varrer os pobres da beira-mar. Apesar de tudo, a Formosa resiste conforme vemos na imagem abaixo.
Figura 14 – A Praia Formosa
Fonte: Acervo particular do autor, Setembro/2019.
Encoberta pela mureta, pelo calçadão e por edificações, a Praia Formosa. vai do mangue ao luxo. Hoje com outra alcunha, continua sendo um espaço de todos os aracajuanos. Nele vemos jovens, adultos, idosos, indivíduos das mais variadas classes, idades, gêneros, tribos. Pessoas que caminham, namoram, brincam; vemos você. Isso mesmo, você. Aproveitando o espaço de todos, convencionalmente chamado de público.
Voltemos ao tal Tenentismo, de onde provém o nome Bairro aqui analisado. O tenentismo foi o termo batizado por historiadores, a posteriori, para um movimento de jovens oficiais do exército, representantes das camadas médias urbanas que, naqueles anos 1920, pretendiam moralizar a política brasileira.
O início na república brasileira não foi fácil. Presidentes como Epitácio Pessoa e Artur Bernardes se mostravam autoritários. Nessa época nosso país era controlado pelas oligarquias paulista e mineira. Essas se revezavam na presidência da República, na famosa política do café-com-leite. Muitos jovens militares do exército discordavam de práticas desses governantes brasileiros e acreditavam[4]. Realmente que o Exército tinha o dever de salvar a Nação, julgavam correto que os militares tomassem decisões importantes para o Brasil, como fizeram em outros momentos, a exemplo do 15 de novembro de 1889.
Porém o que contribuiu decisivamente para acelerar[5] o processo tenentista foi a sucessão presidencial de 1922, sobretudo a questão das cartas apócrifas, também conhecida por cartas falsas. Atribuídas ao candidato Artur Bernardes, mas confeccionadas pelos seus adversários políticos, com o propósito de desestabilizar sua candidatura, levou o presidenciável Bernardes a entrar em rota de coalizão com militares do Exército.
Revoltas contra a posse de Bernardes eclodiram, a mais famosa foi a revolta do Forte de Copacabana no RJ. Os rebeldes foram derrotados, o presidente decretou[6] estado de sítio, limitou o uso de habeas, desenvolveu a espionagem e fez o Congresso aprovar a nova lei de imprensa.
Apesar dessas medidas a chama tenentista manteve-se acesa. Dois anos após a ação dos cariocas, tenentes paulistas se rebelaram, era 05 de julho de 1924. No entanto os levantes não se limitaram ao sudeste brasileiro, tenentes do Amazonas, Rio Grande do Sul e Sergipe também se revoltaram.
No nosso Estado de Sergipe, especificamente em Aracaju, 4 oficiais do 28º BC, demonstrando insatisfação coma política brasileira, agiram em apoio aos tenentes paulistas. Os militares em questão eram: o capitão Eurípedes Esteves de Lima, o 1º tenente Augusto Maynard Gomes, o também 1º tenente João Soarino de Mello e por fim o 2º tenente Manoel Messias de Mendonça.
Os tenentes sergipanos reagiram[7] ao atraso do pagamento de seus soldos, a postura vingativa de Bernardes e a iminente ida à são Paulo, pois eles integrariam as tropas legalistas que reprimiriam a ação dos tenentes paulistas. No fundo[8] tratava-se de uma questão eminentemente política, entre parte do exército, uma menor parte, e o presidente Bernardes.
Na noite de sábado, 12 de julho de 1924, por voltas das 22 horas, Soarino, Eurípedes e Maynard iniciaram as operações. O antigo quartel do 28 BC ficava onde hoje conhecemos como Praça Gen. Valadão, de lá partiram[9] silenciosamente pela Rua Santa Rosa, dobraram a Santo Amaro e chegaram a Praça Olímpio Campos, ali se dividiram Soarino tomou a direção do Palácio e Maynard do Quartel da Polícia.
O povo acordou com tiros disparados pelos revoltosos e revidados pelos legalistas, o confronto se estendeu pela madrugada de domingo do dia 13 de julho. Era o exército contra o governo. A ação dos tenentes foi muito bem executada, fazendo prisioneiros, entre eles o governador Graccho Cardoso, além de ocuparem prédios estratégicos como a Cadeia Pública, o Quartel da Polícia, o Palácio Olímpio Campos, o telégrafo, a Cia Ferroviária e as estações de energia elétrica e de telefonia. Muitos populares abandonaram Aracaju, outros se alistaram na tropa tenente. A população aracajuana se dividiu e os comandados de Maynard formaram uma Junta Governativa militar. A questão era: por quanto tempo se manteriam à frente do governo estadual?
Não durou muito a aventura dantesca e quixotesca tenentista sergipana, tropas legalistas lideradas pelo Gen. Marçal de Faria isolou Aracaju e depois de 21 dias, na noite de 02 de agosto, o movimento tenentista sucumbiu. A ordem foi restabelecida, os atos da junta anulados e seus líderes foram julgados, expulsos do exército e condenados à prisão.
Contudo, menos de dois anos desse ato, no dia 19 de janeiro de 1926, motivados pela aproximação da Coluna Prestes, apoiado por civis e direcionando críticas não mais ao presidente Bernardes[10], mas sim ao governador Graccho Cardoso, os tenentes, Augusto Maynard, Eurípedes Lima e Soarino fogem da prisão e agem uma segunda vez.
O plano traçado foi semelhante ao primeiro, mesmo à frente de 230 homens, não tiveram chances. Maynard caíra ferido, foram derrotados. Considerados uma ameaça constante, os tenentes sergipanos foram enviados à Ilha da Trindade onde deveriam cumprir suas penas, distantes de Aracaju e do povo sergipano. Contudo, Maynard voltaria a Sergipe e seu retorno seria triunfal, pois governaria o Estado em meio à Era Vargas, mas essa é uma outra história.
Exercício de Aplicação
1. No dia 16 de Julho os líderes tenentistas sergipanos publicaram em jornais locais como o Diário Oficial e o Correio de Aracaju, a Proclamação ao Povo sergipano. Leiamos com atenção.
Proclamação
Ao Altivo Povo Sergipano!
Não desconhece o valoroso povo de Sergipe a situação de desrespeito e menosprezo aos direitos alheios implantada pelos que nestes últimos seis anos vêm governando a República Brasileira; não desconhece, também, o digno povo sergipano as humilhações, os vexames que esses mesmos dirigentes vêm impondo à classe militar, esta classe que, numa hora feliz e majestosa, implantou em nossa cara Pátria o governo republicano, o governo da liberdade, o governo do povo, para o povo e pelo povo, princípios estes esquecidos e relegados pelos que se têm assenhorado das posições políticas e administrativas do país. Há bem dois anos uma centena de brasileiros militares, orientada e sequiosa de bem servir à Pátria, levantou-se contra os processos antirrepublicanos do governo do sr. Epitácio Pessoa, cidadão que, apesar de ministro do mais alto Tribunal da Nação, se mostrou o mais feroz inimigo dos direitos e da liberdade dos seus governados.
O seu sucessor, ao contrário do que se devia esperar, não quis se afastar dos moldes violentos e prejudiciais de governar daquele que o levara ao posto de Chefe do estado. Até se excedeu no praticar dos atos da mais férrea tirania. Como não mais possível fosse suportar tantas humilhações, tantos desrespeitos à Constituição, tantos ultrajes aos direitos do povo, o Exército nacional, por intermédio de um número considerável de seus representantes se levantou novamente, e desta vez nas plagas do Ipiranga, justamente nas terras em que se verificou o grito patriótico de “Independência ou Morte”.
Ora, a guarnição militar de Sergipe não podia de forma alguma ficar indiferente e calada em momento tão sombrio e difícil para a Pátria, resolvendo então os que abaixo se assinam, acompanhar os seus camaradas, que no Sul se batem pela grandeza e verdadeira prática do regime republicano.
E tal movimento de solidariedade e de patriotismo consistiu em depor as autoridades que em Sergipe se correspondem com o governo central da República, constituindo-nos, doravante, em junta governativa militar para todos os efeitos, até que, com a vitória final, assuma as rédeas do poder o verdadeiro escolhido do povo. Enquanto isso não se verificar, os que compõem a referida junta saberão respeitar todos os direitos dos seus concidadãos, nada tendo a temer o glorioso povo sergipano. A nossa vitória será a vitória de Sergipe e dos seus filhos, e por conseguinte do Brasil e dos brasileiros.
Aracaju, 14 de julho de 1924. Capitão Eurípedes Esteves de Lima 1º Tenente Augusto Maynard Gomes 1º Tenente João Soarino de Mello
2º Tenente Manoel Messias de Mendonça
CRUZ, A. S.. A caserna em polvorosa: A revolta de 1924 em Sergipe. 2008. p.62.
A Partir do que foi estudado e da leitura atenta do texto base, responda as questões.
a) As críticas feitas pelos tenentes são dirigidas a quem especificamente? Aproveite e as apresente.
b) Quem ou o que influenciou os tenentes sergipanos a agir no ano de 1924? Quais os objetivos desses revoltosos? Retire do texto as passagens que ratificam suas respostas.
2. Movimentos a favor do retorno da Ditadura Militar e, consequentemente militares no poder, vêm ganhando força nos últimos anos em países como o Brasil. Conforme vocês estudaram, o movimento tenentista era acima de tudo uma ação de militares. Em alguns estados tiveram até êxito, embora efêmeros, militares assumiram o governo local, tendo como exemplo Sergipe, São Paulo e Amazonas. Pesquisem em jornais, revistas, na internet ou outros canais de preferência o tema “militares no poder”. Você é a favor ou contra governos militares? Discuta com seus colegas os possíveis motivos para o crescimento desses grupos e dessas ideias radicais.
Notas:
[1] MELINS, Murilo. Aracaju romântica que vi e vivi. 3. ed. Aracaju: Unit, 2007. p. 311.
[2] RABELO, Josevânia Nunes . Enobrecimento Urbano no Bairro Treze de Julho. In: In: LEITE, Rogerio Proença. MALTA, Eder Claúdio S. (Orgs.).. (Org.). Cidades e Patrimônios Culturais: Investigações para a Pesquisa Iniciação à Pesquisa. 1ed.São Cristovão: Editora UFS, 2013, p.186.
[3] Ibid., p.188.
[4] CRUZ, A. S.. A caserna em polvorosa: A revolta de 1924 em Sergipe, 2008, p.54.
[5] DANTAS, J. I. C. . O Tenentismo em Sergipe (Da Revolta de 1924 à Revolução de 1930). 2. ed. Aracaju: J. Andrade / FUNCAJU, 1999. v. 1. p.87.
[6] Ibid, p.91.
[7] Ibid, p.103.
[8] Ibid, p.103.
[9] Ibid, p.114.
[10] Ibid, p.187.

